Renovação das concessões de distribuição, de um lado, e necessidade de mais flexibilidade na operação do sistema pressionam pela digitalização da rede e criação de novos agentes como agregadores de cargas e DSOs. A participação crescente de recursos energéticos distribuídos no sistema elétrico também demanda uma nova abordagem da operação, mais centrada no consumidor. Esses temas foram debatidos na abertura do Fórum Smart Grid 2025, em São Paulo,
Com a expansão massiva das fontes renováveis intermitentes e a descentralização da geração, o sistema elétrico brasileiro exige novas soluções de operação, maior flexibilidade e participação ativa do consumidor. Isso impõe um grande desafio para a operação das redes, mas também pode criar uma série de novos serviços e modelos de negócios. O tema foi debatido durante a abertura do Fórum Smart Grid 2025, realizado em São Paulo, nesta segunda-feira (04/08).
“Vemos como tendência para os próximos anos a expansão das renováveis, especialmente solar e eólica, maneira maciça. Basicamente, porque são mais baratas”, disse o diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da EPE, Thiago Ivanoski. “Isso demanda atender os requisitos de segurança elétrica com outras fontes e estratégias, como resposta da demanda, para lidar com o desafio da já famosa curva do pato, ou ganso, ou como chamamos na EPE, curva do tuiuiu”.
Segundo estudo recém publicado pela Empresa de Pesquisa Energética, a GD poderia chegar a 97,8 GW até 2035, no cenário superior das projeções, 78,1 GW no cenário de referência e 61,4 GW no cenário inferior. “As previsões que viemos fazendo estão muito próximas da curva superior”, disse Ivanoski. O estudo também revelou um payback para baterias atrás do medidor de até seis anos.
Do ponto de vista da operação do sistema, a parcela da matriz que o ONS pode controlar sairá de 54% para 45% de 2024 para 2029. Ao mesmo tempo, a rampa da carga no final do dia, quando a geração solar sai de operação é necessário acionar outras fontes para atende a demanda, sairá de 36 GW em 2024 para 52 GW em 2029. Resposta da demanda pode ser um recurso essencial para lidar com isso.
De variável incômoda a prestadores de serviços
Essa pulverização da geração elétrica cria a oportunidade para novos modelos, como plantas virtuais de energia ou agregadores de recursos energéticos distribuídos e até veículos elétricos prestando serviços à rede.
A expectativa é que os REDs deixem de ser uma “variável incômoda” para se tornarem protagonistas da estabilidade do sistema, oferecendo serviços como controle de frequência e atendimento à demanda de ponta, disse o assessor executivo da Diretoria de Planejamento do ONS, Marcelo Prais.
Para lidar com esse novo contexto, o operador propõe a transição do modelo de “coordenação” para o de “orquestração” da rede elétrica, envolvendo tanto recursos tradicionais quanto os distribuídos. “Enquanto o primeiro conceito é centrado em infraestrutura, o segundo centra-se nos consumidores. Nesse modelo, todos participam, tanto pelo lado da oferta quanto da demanda”, disse Prais.
A ideia é que o ONS passe a interagir com os operadores dos sistemas de distribuição (DSOs), uma nova figura no setor, distinta das distribuidoras atuais. “O DSO interage com REDs e agregadores de carga, que oferecem volumes e preços e essas ofertas são devolvidas ao ONS. É o modelo que vemos que tem mais chances de prosperar no Brasil”, disse.
Estrutura tarifária e reconhecimento de investimentos da distribuidoras
A diretora da Aneel, Agnes da Costa, afirmou que há diversas discussões em curso que tangenciam o conceito de smart grid, incluindo o papel das distribuidoras como operadoras do sistema de distribuição. Segundo ela, há uma necessidade de “ajuste fino” na interface entre distribuidoras e o ONS, especialmente diante da possibilidade de contratação de serviços ancilares — o que depende de redes mais inteligentes.
Agnes também destacou a discussão sobre o Open Energy, voltado ao acesso aos dados dos consumidores com respeito à LGPD, e um possível redesenho das tarifas com base em hábitos de consumo. Outro ponto em debate é a resiliência da rede, com o reconhecimento de investimentos intraciclo das distribuidoras. “Esperar cinco anos para ter esse reconhecimento é uma realidade que não existe mais. Vamos precisar de mais investimento na rede de distribuição para viabilizar mais soluções para os consumidores”, afirmou.
Nesse sentido, o presidente da Abradee, Marcelo Madureira, reforçou a necessidade de tarifas que deem o preço adequado para o uso do sistema de transmissão e de distribuição. “Temos que dar a adequada sinalização para o consumidor sobre o preço de ele injetar e usar energia da rede. Se esta trazendo benefício para o sistema, tem que ser remunerado, claro”.
O diretor do Departamento de Políticas Setoriais do MME, Frederico Teles, disse que o ministério quer retirar subsídios das tarifas para viabilizar a remuneração em investimentos na rede. “Hoje o modelo é de repasse tarifário. Já temos uma tarifa elevada se considerarmos o PIB per capita da população brasileira”, disse.
Em 2025, os subsídios representaram mais de 14,5% da tarifa média, e a proposta do ministério é que parte desse custo seja redirecionado para remunerar investimentos em digitalização.
Teles lembrou que a renovação dos contratos de concessão, iniciada com a assinatura da EDP Espírito Santo em julho, prevê estímulo gradual à digitalização. “Não temos dúvida de que o consumidor é o grande foco”, afirmou. Teles também citou a necessidade de mais transparência nos dados de consumo e de estudos prévios de custo-benefício antes de digitalizar redes.
Em junho, o Ministério de Minas e Energia publicou a Portaria Normativa nº 111/2025, reunindo ações para estimular a digitalização das redes.
Medição inteligente e migração simplificada
A digitalização também é apontada como chave para viabilizar a abertura do mercado livre. Segundo Adriana Aoki, especialista em Engenharia e Operação de Medição da CCEE, o novo processo simplificado já permitiu a migração de 26 mil novas cargas em 2024, um crescimento de 262% em relação a 2023.
“Com uma rede telemedida, conseguimos ter melhor monitoramento e controle, e fazer uma gestão mais eficiente do abastecimento”, afirmou. O modelo anterior exigia um processo longo, com renúncia do contrato com a distribuidora com seis meses de antecedência. Agora, com o uso de API, dados em nuvem e integração com o sistema das distribuidoras, a representação de cargas é mais ágil e escalável. “A ideia é que a CCEE não seja visível para o consumidor final”, disse.